MODERNISMO - ROMANCE DE 30

10-11-2010 22:19

O Romance de 30 é uma das maiores instituições literárias do Brasil. Também aquela que é vítima da visão mais estreita: a temática rural de algumas das suas obras-chave - como A bagaceira - provoca uma perspectiva generalizadora a seu respeito. Seu grande legado foi provocar a discussão crítica da modernidade “criada” em território brasileiro alguns poucos anos antes. “Se (a Semana de) 22 toma a modernidade e a modernização como a panacéia para todos os nossos males, (o Romance de) 30 fará uma negociação crítica entre o passado, a realidade presente e o futuro que queríamos construir. Nem tudo que é parte do passado colonial é necessariamente ruim, nem o novo por ser novo é necessariamente bom”, explica o professor do Departamento de Letras da UFPE, Anco Marcio Tenório Vieira.

“É difícil generalizar quando se fala do Romance de 30 porque não foi um movimento literário organizado em torno de balizas rigorosas. De toda forma, a idéia de que os romancistas daquele período apenas se repetiram, ficando presos a um modelo, parece-me errada. José Lins do Rego é bem um exemplo disso. Apesar de um apego a certos temas e cenários, sua obra passa pelo romance urbano e chega mesmo a um certo grau de experimentalismo lingüístico em Cangaceiros”, explica Luís Bueno, autor do maior estudo sobre esse período da literatura brasileira, Uma história do Romance de 30, publicado pela Edusp.

Uma das maiores vítimas da visão generalizadora que cerca o Romance de 30, o escritor paraibano José Lins do Rego, faleceu neste mesmo dia 12 de setembro, há 50 anos, e continua dividindo opinião da crítica. Mas não do público. “Quase todas as obras de José Lins já ultrapassam a casa de 100 edições, o que comprova sua excelente recepção. Porém, acho que o romance de 30 tem duas leituras por parte da crítica. Uma é a que entende que em termo de linguagem o romance de 30 é um retrocesso em relação aos romances de invenção dos Anos 20. E é um retrocesso porque ele retoma a narrativa tradicional, realista, do século 19. A segunda crítica é a que vê na Literatura Regionalista uma literatura menor, posto que ela se detém nos problemas sociais, políticos e econômicos de uma dada região, deixando de lado o universalismo dos temas”, continua Anco Marcio, que vê nessas duas perspectivas claros “vícios de análise”.

Apesar de sempre ser visto como um autor tematicamente restrito, José Lins, para Anco Márcio, lida com um dos elementos constituídores do gênero romance: o velho que ainda não se esvaiu de todo e o novo que ainda não se firmou. “Eu não preciso saber onde fica a Paraíba ou o que é a cana de açúcar para perceber a tragicidade do herói do ciclo da cana de José Lins, sua completa incapacidade de lidar com os dois mundos que se colocam perante si. É esse o tema da Metamorfose, de Kafka, de Dom Quixote, de Cervantes, de Dom Casmurro, de Machado de Assis. Enfim, de todo romance que mereça esse nome.”, conclui.

  OS MUNDOS NARRADOS

Romances de temática agrária

Pode-se afirmar que uma parte importante do romance de 30 centralizou-se em torno do universo rural em declínio ou já desaparecido. A tradução deste processo social deu-se em alguns núcleos temáticos:

A) - A ascensão e queda dos "coronéis": Bangüê e Fogo morto, de José Lins do Rego; Terras do sem fim e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge Amado; e O tempo e o vento, de Erico Verissimo, por exemplo. Estes relatos oscilam entre a saga (exaltação com traços épicos) e a crítica mais contundente, seja a ideológica (Jorge amado), seja a ética (Erico Verissimo). No caso específico de José Lins do Rego, predomina um tom nostálgico e melancólico diante das ruínas dos engenhos.

B) - Os dramas dos trabalhadores rurais: Seara vermelha, de Jorge Amado; e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Ambos correspondem a uma impugnação da realidade fundiária nordestina, opressiva e excludente.

C) - O confronto entre o Brasil rural e o Brasil urbano: este é o ponto nuclear de alguns dos mais importantes títulos da narrativa brasileira do século XX. O choque entre Paulo Honório e Madalena em São Bernardo, de Graciliano Ramos, sintetiza o descompasso entre a mentalidade patriarcal-latifundiária e a urbana modernizada. Também de Graciliano Ramos, o romance Angústia revela a solidão e a destruição de Luís da Silva, descendente da oligarquia, na teia complexa das relações citadinas. Aliás, este fenômeno ocorre igualmente em Totonho Pacheco, de João Alphonsus.

Por outro lado, tanto em A bagaceira, de José Américo de Almeida, quanto em O quinze, de Rachel de Queiroz, os personagens principais, Lúcio e Conceição - embora filhos das velhas elites agrárias - foram modernizados pela escolarização na cidade e acabaram questionando o horror da seca, da miséria e o atraso do latifúndio.  

Romances de temática urbana

A urbanização ininterrupta do país levou os narradores a olhar para a nova realidade que se constituía, fosse sob o prisma da denúncia (Jorge Amado, Amando Fontes), da adesão crítica (Erico Verissimo) ou de uma tristeza impotente (Cyro dos Anjos). Os núcleos temáticos abordados foram:

A) - As camadas populares, trabalhadores e marginais: Jubiabá, Capitães de Areia e Mar morto, de Jorge Amado; Os Corumbas e Rua do Siriri, de Amando Fontes.

B) - Os setores médios (pequena burguesia): A tragédia burguesa, de Otávio de Faria, Os ratos, de Dyonélio Machado e toda a primeira fase de Erico Verissimo, o chamado ciclo de Clarissa.

Um romance regionalista?

Em função do predomínio da temática rural, generalizou-se o conceito de romance regionalista para indicar os relatos produzidos a partir de 30 (ou de 1928, ano de publicação de A bagaceira, de José Américo de Almeida, e que inaugura o referido ciclo). Como este conceito continua aparecendo em todos os manuais, vestibulares e análises sobre a época, não podemos rejeitá-lo completamente.

Mas, como já se disse em outra passagem deste livro, não existe narrativa - mesmo a mais cosmopolita ou a mais intimista - que não tenha aspectos locais. Machado de Assis, por exemplo, apresenta elementos da sociedade carioca em suas histórias. Então o Rio de Janeiro não é uma região? Erico Verissimo seria regionalista ao escrever sobre as estâncias. E ao escrever sobre Porto Alegre seria o quê?

Ou seja, em vez de usarmos o desgastado termo regionalismo (que faz confusão entre geografia e estética), poderíamos nos valer de expressões que delimitam melhor o objeto de nossos estudos: narrativas do mundo rural e narrativas do mundo urbano.

Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Erico Verissimo e os demais autores adotaram alguns princípios básicos do romance realista:

  • a verossimilhança;
  • o retrato direto da realidade em seus elementos históricos e sociais;
  • a linearidade narrativa;
  • a tipificação social (indivíduos que representam classes sociais);
  • construção ficcional de um mundo que deve dar a idéia de abrangência e totalidade.

 As relações com a geração de 1922

Face a este neo-realismo, caberia uma pergunta: Até que ponto os romancistas de 30 foram modernistas? Ou seja, até que ponto representaram uma continuidade das vanguardas paulistas de 22?

Ao contrário dos poetas (Vinícius, Drummond, Murilo Mendes, etc.), que apareceram nos anos 30 e que, claramente, expressaram a sua ligação com o projeto vanguardista, representando inclusive uma espécie de segunda fase, ou fase madura do movimento, os romancistas pouco ou nada tinham a ver com o grupo de Mário e Oswald de Andrade. Seus vínculos eram muito mais fortes com os prosadores russos e norte-americanos - como já foi referido - e com Eça de Queirós, Aluísio Azevedo, Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e demais autores com quem tinham similaridade estética e ideológica.

Daí ser preferível - sob este ângulo - a adoção do termo romance de 30 para designar o conjunto de narrativas, escritas entre os anos de 1930 e 1970, por um mesma geração, oriunda de famílias oligárquicas arruinadas ou decadentes, com uma visão de mundo crítica, idêntico sentido missionário da literatura e padrões artísticos comuns e bastante próximos do realismo do século XIX.

Deve-se ressaltar, contudo, que, apesar de sua desconfiança em relação às ousadias paulistanas, os romancistas de 30 herdaram dos modernistas uma liberdade de expressão inigualável. Aproveitaram-se disso para impregnar os seus relatos de coloquialismo, estilo direto e concisão verbal, criando um efeito de simplicidade que ainda hoje seduz os leitores.

 

 

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